PROGRAMAS DE TREINAMENTO PARA FORMAÇÃO E ESPECIALIZAÇÃO DO PROFISSIONAL DE POLÍCIA
Atualmente há um equivoco quando se fala em programas de treinamento para formação e para especialização de policiais. Isso ocasiona riscos na utilização das técnicas treinadas quando de sua execução em ambiente real. Existe uma grande confusão por parte de alguns instrutores que confundem, ou não fazem distinção entre o treinamento de formação para policiais e o treinamento de especialização destes profissionais.
A heterogeneidade das pessoas, principalmente do sexo feminino que ingressam nas forças policiais, sua vivência anterior e a motivação que as trazem a esses ambientes devem ser levadas em consideração no momento da elaboração do programa de formação, o qual deverá ser de fácil assimilação. Os alunos que ingressam nas academias de polícia são oriundos de várias classes sociais, bem como dos mais variados segmentos profissionais da sociedade. Alguns ingressam simplesmente pela estabilidade que o emprego público lhes oferece e poucos por vocação. Certamente em sua grande maioria nunca tiveram contato com a violência urbana.
Durante os quase doze anos em que fui instrutor em academias de polícia e muitos outros anos atuando como instrutor de Agentes de Segurança Pública percebi que a grande maioria dos indivíduos que ingressam na polícia tem uma visão romântica da realidade que os espera. Importante, ainda, é levar-se em consideração que as exigências cada vez mais intelectualizadas impostas pelos concursos de admissão trazem ao ambiente policial “concurseiros profissionais” que vêem a oportunidade de um degrau para ascender a cargos com melhor remuneração. Em sua grande maioria nunca tiveram contato com a violência urbana. A dificuldade que enfrentam durante o aprendizado das técnicas é visível, principalmente por parte do contingente feminino com seus corpos frágeis, na atualidade em maior número em relação aos homens.
Na verdade, as etapas de verbalizar, abordar, algemar, posicionamento corporal, etc... são compostas de técnicas de difícil assimilação por parte do iniciante, ou são banalizadas a ponto de serem subestimadas pelo aluno. Ocorre que muitas vezes, os próprios instrutores não têm a qualificação adequada para passarem seus conhecimentos, sejam por motivos didáticos, pedagógicos, psicológicos, de empatia, de carisma, de profissionalismo e outros. A força motriz de ensinar é acreditar intimamente no que se ensina.
A vaidade de poder transmitir conhecimentos encanta os menos avisados, dando a ilusão de que qualquer pessoa pode ser instrutor policial, mas a prática demonstra que isso não é possível. Por conta da vaidade de alguns instrutores despreparados, as técnicas vão se modificando gradativamente, tomando a forma da vontade de quem às transmite. Com isso, pervertendo sua finalidade original a ponto de só funcionarem bem em cenários predeterminados, onde os participantes aceitam que o confronto real irá se desenvolver da maneira branda e previsível como lhes ensinam em movimentos teatrais. "A palavra chave de qualquer treinamento racional, em qualquer nível, é simplicidade. Um lema dos grupos especiais norte-americanos transmite isso de modo claro. Chamam-se KISS (Keep It Simple Stupid) basicamente, “faça de modo simples”. Isso dá uma idéia de que movimentos complexos são belos em apresentações de dança onde a coreografia deve agradar aos olhos, mas em um beco escuro, úmido, hostil, distante e mortífero devemos ser práticos se quisermos cumprir a lei e sobrevivermos. Talvez poucos concordem com isso, mas tenho certeza, aqueles que já ouviram o batimento do próprio coração antevendo o confronto, ou após o seu termino sabem que tudo ocorre rápido demais e o que eu falo é verdade".
Além da extrema simplicidade e praticidade dos movimentos treinados temos de ter a certeza de que a técnica escolhida pode ser usada pela maioria das pessoas contra a maioria das pessoas. Isso só pode ser conseguido com milhares de repetições e com o treinamento mental e concentração apropriada para obtermos a chamada “memória muscular” por parte do aluno.
O aprendizado prático na atividade policial é, a meu ver, a parte mais importante de todo o processo de formação, todo o resto pode ser discutido ou modificado, pois abstrato, mas sobreviver esta além disso, a diferença entre estar devidamente treinado irá se refletir em viver ou morrer. Sabiamente os romanos enunciaram “Si vis pacem para bellum” se queres a paz prepara-te para a guerra, isso deve nortear o pensamento do administrador policial quando ele for permitir que pessoas despreparadas tentem formar os futuros policiais.
Por estes e outros motivos é que o programa de treinamento que envolve contato físico, entre o agente e um agressor, com a finalidade de prepará-lo para uma abordagem e imobilização para algemação deve ser elaborado com técnicas compostas de movimentos simples, eficientes e de fácil assimilação por parte do aluno. Movimentos complexos como pegadas rápidas para conseqüentes torções de punho são arriscadas para o principiante.
Estes movimentos mais complexos devem ser deixados para treinamentos de especialização do policial e não para sua formação. Faze-los repetir muitas vezes seria o ideal, mas sabemos que a carga horária dos cursos de formação nunca é suficiente ou ideal para a assimilação de uma técnica por completo, a ponto de criarmos no aluno uma memória muscular, dando-lhe condições de reflexos rápidos e intuitivos.
Para criarmos uma memória muscular através de movimentos repetitivos seriam necessários três mil repetições de um único movimento e cinco mil, para uma memória intuitiva, fato este de domínio de lutadores de artes marciais.
Portanto, quanto mais simples e eficientes forem os movimentos empregados nas técnicas de formação maior será o grau de assimilação por parte do aluno. Posteriormente em um treinamento continuo se aumenta o grau de complexidade das técnicas a serem empregadas.
No meu entender, se este processo de formação do homem de polícia for invertido teremos graves conseqüências, as quais vão influenciar diretamente na segurança do agente, o qual não se sentirá seguro ao desacreditar nas técnicas que serviram para sua base de formação. Com isso estará colocando sua própria vida em risco durante uma abordagem, bem como a vida de seus colegas.
Autor: Marcos Vinicius Souza de Souza – PC/RS – Instrutor Policial